14 de set. de 2011

Em entrevista para o jornal O Globo, Wim Wenders fala sobre Pina 3D

Em entrevista para o jornal O Globo o consagrado diretor Wim Wenders fala sobre seu mais novo projeto em 3D que será lançado pela Imovision em dezembro Pina.
Wim Wenders está sendo homenageado pela mostra "Wim Wenders - Imagens Que Obedecem" que está em cartaz em São Paulo, Rio de Janeiro e Curitiba.
Confira abaixo a entrevista cedida por Wim Wenders para O Globo.
O GLOBO: O senhor ainda se mantém entusiasmado com as possibilidades do 3D como estava no último Festival de Berlim, em fevereiro, na primeira exibição de “Pina”? O 3D não estaria se tornando uma ferramenta banal?

WIM WENDERS: Esta é realmente uma questão: quanto há de material sem sentido que os estúdios estão lançando em 3D, estragando o futuro da nova mídia? Como o 3D pode ser levado a sério se ele não é reconhecido como uma nova e real linguagem cinematográfica, mas é somente usado, e abusado, como uma atração de parque de diversões? A resposta deve ser dada pelos cineastas que se aproximam do 3D com seriedade. No meu caso, continuo tão entusiasmado quanto no início. Para mim, ele é a ferramenta ideal para documentários, e mal posso esperar para ver filmes narrativos que utilizem o 3D com inteligência. Estou trabalhando nisso no momento, e tenho certeza de que há muitos cineastas com a mesma missão de “quebrar o código” e mostrar o potencial do 3D para se contar uma história.

O GLOBO: O senhor pode falar sobre seu novo projeto em 3D?

WIM WENDERS: Eu quero fazer um documentário sobre arquitetura em 3D. E também estou trabalhando com um roteirista muito talentoso num filme de ficção. Será uma história de família, possivelmente também em 3D.

O GLOBO: Em 2010, o senhor rodou em São Paulo o curta-metragem “Ver ou não ver”, que será um dos segmentos do projeto “Mundo invisível”, idealizado por Leon Cakoff e previsto para estrear na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, no mês que vem. O que o senhor tem a dizer sobre o curta?

WIM WENDERS: Tenho muito orgulho dele, e fico muito agradecido ao Leon por ter me atraído para esta aventura. Minha contribuição foi focada em crianças de São Paulo que são quase cegas, mas que ainda têm uma leve capacidade de enxergar. Com os cuidados e a atenção da Santa Casa, elas são capazes de frequentar uma escola normal e se desenvolver como outras crianças.

O GLOBO: Muitos de seus filmes foram elaborados a partir do ponto de vista de seus personagens, como se fossem feitos para que o espectador enxergasse as ações através deseus olhos. Em “Pina”, quem seriam esses personagens? Qual é o ponto de vista do filme?

WIM WENDERS: “Pina” é narrado sob o ponto de vista de alguém que está convencido de que o trabalho de Pina Bausch está entre as coisas mais belas deste planeta. O narrador invisível do filme é um tipo de guia turístico para o universo dela, com consciência de que mesmo os que não têm gosto para a dança terão com o filme uma experiência iluminada. Sei que pode parecer que estou me gabando, mas digo tudo isso porque tenho viajado com o filme há um tempo e vejo as reações das pessoas.

O GLOBO: Alguns críticos e também alguns cineastas gostam de dizer que os melhores documentários são aqueles que usam uma estrutura de narrativa ficcional. Mas, em “Pina”, o senhor não se preocupou em explicar a história da vida da coreógrafa nem de seu trabalho. É como se o senhor tivesse percebido que as imagens, os sons e os movimentos fossem mais poderosos do que qualquer narrativa ortodoxa. É uma crença que parece também estar presente em outros de seus filmes. Qual seria, então, o segredo para se transformar a contemplação do audiovisual numa história para o espectador?

WIM WENDERS: Há muitas possibilidades para se conceber um filme, e muitas outras para se contar uma história. Eu sempre senti que a melhor atitude para se fazer um documentário é “querer compartilhar alguma coisa da qual você gosta com seus amigos”. Foi esse o caso com “Buena Vista Social Club” e é esse definitivamente o caso com “Pina”. Em ambos os filmes, eu senti que era necessário “desaparecer” como cineasta e deixar a música (no caso de “Buena Vista”) e a dança (no caso de “Pina”) falarem por si mesmas. Em outros documentários como “Tokyo-ga”, sobre meu diretor favorito, Yasujiro Ozu, e “Notebook on cities and clothes”, sobre o estilista Yohji Yamamoto, eu estou muito presente, como narrador. Mas, falando especialmente de “Pina”, eu não quis me impor. Este é um filme sobre a incrível arte de outra pessoa, e eu assumi a posição de admiração como qualquer outro na plateia para a qual eu quis compartilhar sua beleza. Veja só: eu nunca tive nada a ver com dança antes de ver o trabalho de Pina. Dança não era meu negócio, por assim dizer. Mas ela entrou na minha vida com força e convicção. Fiz o filme para todos aqueles que, como eu, ainda não tinham afinidade com a dança.

O GLOBO: O senhor acredita que é possível comparar a criatividade surgida nos anos seguintes à Segunda Guerra Mundial de sua infância a uma possível criatividade crescente na década após o 11 de Setembro?

WIM WENDERS: Eu ainda não pensei nessa analogia, mas me parece que faz sentido. Na Alemanha do Pós-guerra, local em que eu e também Pina Bausch crescemos, havia uma sensação nítida, talvez subconsciente, mas inegável, de que eram necessárias mudanças. A vida não poderia seguir o rumo tomado pela geração anterior. Na verdade, não tínhamos um modelo de como viver. Tivemos que reinventar tudo do zero, com novos padrões. Hoje, na década seguinte ao 11 de Setembro, nós também temos que reinventar a civilização, mas os políticos estão falhando em perceber isso. Nossa economia pós-capitalista está falhando miseravelmente. Mesmo as igrejas perderam muito de suas habilidades de espalhar uma mensagem de amor e solidariedade. Então, depende dos artistas, mais do que nunca, desenhar a imagem de um mundo melhor.

O GLOBO: O senhor assiste a seus filmes antigos? Qual é a sensação?

WIM WENDERS: Às vezes, assistir a um filme antigo pode ser triste. Eles se tornam irrelevantes, e a experiência, nostálgica. E, para mim, a nostalgia é perda de tempo. Nós estamos vivendo o hoje. Porém, há aqueles filmes antigos que são incrivelmente atuais. Outro dia assisti a “A grande testemunha” (1966), do Robert Bresson. Fiquei bastante surpreendido por ele. Ele era violento de uma maneira da qual nenhum dos filmes recentes de violência consegue nem chegar perto. Ele não mostrava violência, mas me fazia experimentá-la. Eu já tinha assistido ao filme há mais de 30 anos e mal podia acreditar no quão contemporâneo e pungente ele é. E, há poucos dias, eu assisti a “Viver a vida” (1962), de Jean-Luc Godard, que foi apresentado no Festival de Telluride, nos EUA, por Caetano Veloso, onde ele foi convidado para ser o curador de um programa especial, este ano. Rapaz, aquilo é uma obra poderosíssima de cinema, mesmo hoje. É cheio de ideias, de entretenimento, de inteligência, como se tivesse sido feito em 2011 por um jovem e talentoso cineasta.

O GLOBO: O senhor sabe que Walter Salles está preparando uma adaptação de “On the road”, livro de Jack Kerouac. Qual seria o maior desafio de Salles para o projeto?

WIM WENDERS: Walter fez um documentário antes, como preparação, perguntando para as pessoas sobre “On the road”, eu entre elas. Ele tem levado o desafio de adaptar o romance bastante a sério. E eu não acho que haja outro filme pelo qual eu tenha tanta expectativa. Pelo que sei, Walter já terminou a montagem, e está na fase de pós-produção. Nós conversamos sobre o projeto algumas vezes, e é claro que a grande questão para ele é buscar uma forma de tornar a história relevante hoje. Como um diretor brasileiro pode contar a história de um arquétipo americano da década de 1950 hoje? Bem, quem mais poderia?

O GLOBO: Qual foi a lição mais importante que o cinema lhe ensinou?

WIM WENDERS: Uma coisa acima de todas as outras: o que você faz com amor e cuidado tem uma chance de fazer diferença, tanto para você como para a vida de outras pessoas. Tudo o que se faz sem amor e sem convicção é fadado ao fracasso e à perda de tempo, para você e para os outros. ■

Fonte: O Globo.

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