4 de jan. de 2008

Entrevista com o diretor de Em Paris, Christophe Honoré.

MARIO GIOIA
da Folha de S.Paulo

Folha -- Como se deu a escolha dos dois protagonistas de "Em Paris"?

Christophe Honoré -- Meu primeiro desejo foi filmar novamente com esses dois atores que já tinham atuado em meus filmes anteriores. E oferecer a eles papéis que permitissem uma abordagem nova. Duris freqüentemente é usado nos filmes como um corpo enérgico, uma silhueta arranhada, e eu tive vontade de me aproximar dele e me concentrar sobre seu olhar, sua interioridade. Veio disso a idéia da trama em que ele fica fechado num quarto. Para Garrel, pelo contrário, eu quis deixá-lo viver no plano; eu sabia que ele era o motor da história. Seu personagem é quase burlesco; ele está sempre prestes a sair do campo.

Folha - Como você imaginou as relações familiares de "Em Paris"? Os pais são separados; há um filho, Paul, em momento depressivo; há a irmã ausente, Claire. Aliás, ela tem um papel central na história, não?

Honoré - Ao longo dos filmes, vou percebendo que, para mim, a família é o verdadeiro lugar de minhas histórias. E o que me interessa é observar como os sentimentos circulam dentro da família. Em "Em Paris", especialmente, o sentimento de tristeza é como o bastão de revezamento que os personagens vão entregando um ao outro, ao longo de sua corrida. É verdade que a ausência, o "buraco" resultante da morte de um dos membros de uma família, é algo que está sempre no cerne de minhas ficções. Claire é o centro de atração em torno do qual se organizam afetos e comportamentos dos personagens.

Folha - Em vários momentos do longa, há referências aos filmes da nouvelle vague e de cineastas mais antigos, como Renoir. Quais foram suas influências cinematográficas?

Honoré - Depois de "Ma Mère" [2004], tive vontade de "dar prazer a mim mesmo" com um filme. É o desejo de retornar ao que alimentou minha cinefilia e que, ainda adolescente, me fez sentir vontade de fazer cinema. É o cinema francês, e principalmente o cinema francês da nouvelle vague, que me trouxe para onde estou agora. "Em Paris" não é um filme-homenagem, mas, como o personagem de Duris, sinto que eu "voltei para casa". Minha casa cinematográfica. E essa casa é o cinema francês, de Renoir a Truffaut, passando por Godard e Eustache.

Folha - Em crítica de "Em Paris", o diretor de Redação da revista "Cahiers du Cinéma", Jean-Michel Frodon, elogia a demonstração clara de uma alegria de filmar, um estado de disjunção geral dos personagens e as atuações. Também acha que isso se destaca em seu filme?

Honoré - Entendo o que ele quis dizer. A felicidade de filmar, ou de filmar à francesa: tema pequeno, predomínio do tom de comédia para tratar de coisas sérias... E hoje, num cinema francês globalmente bastante queixoso e receoso quanto a seu futuro, isso é quase um manifesto. No que diz respeito à disjunção, formalmente, isso sempre foi minha obsessão. Amo a variedade nos filmes, o inacabado, as mudanças de tom. Acho que já não podemos nos permitir fazer filmes que sigam uma nota só ou uma única linha. Para mim, a modernidade e a relação com o real passam pela reconstrução de elementos heterogêneos.

Em relação aos atores, é verdade que, para mim, isso foi uma descoberta. Minha madrinha foi Béatrice Dalle em "17 Fois Cécile Cassard". Depois dela, cada um de meus filmes partiu do desejo de levar determinados atores a filmar.

Folha - Em "Canções de Amor", críticos viram na imperfeição de seu musical reflexos de "Os Guarda-Chuvas do Amor", de Jacques Demy. Foi uma influência? E quais os desafios de se fazer um musical romântico em meio ao dia-a-dia de Paris?

Honoré - Minha relação com Demy é sobretudo de caráter regional. Sou da Bretanha, e Demy é um dos raros cineastas bretões. Quando eu era adolescente e ficava deprimido, fechado em meu quarto, o exemplo dele me reconfortava. Eu me diverti incluindo várias piscadelas em direção a Demy.

"Canções..." é um filme musical porque trata de personagens que são incapazes de exprimir sentimentos. Ao cantar, conseguem se expressar e, desse modo, chegar ao lirismo.

Eu não queria que esse musical ficasse desligado da realidade, queria evitar a bolha kitsch ou o real metamorfoseado. Por isso quis filmar na rua. Escolhi apartamentos no primeiro andar, para que pudéssemos sempre enxergar a cidade que vive aos pés dos personagens.

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